À Conversa nas Nuvens - Jess
Não foi só nos anos 50/60 que houve uma grande vaga de emigração no nosso país. Assistimos ao mesmo na última década. Mas, desta vez, de profissionais especializados que, aqui no seu cantinho, não conseguiram uma única oportunidade para fazer aquilo pelo qual tinham lutado. O estranho? É que se continua com carência desses profissionais... mas eles continuam a não ter oportunidades. A Jess é um desses exemplos. Enfermeira desde 2011, emigrou em 2012 para França, na procura de poder fazer aquilo que a faz feliz! E hoje, tirou um tempinho para falar connosco sobre esta sua experiência!
Olá Jess. Sempre quiseste ser enfermeira?
Olá, desde já obrigada pelo convite. A ideia de seguir Enfermagem surgiu apenas na altura dos exames nacionais do 12º ano, por incrível que pareça. Nunca tinha pensado em tal profissão, até ver que não teria média para aquilo que realmente sonhava, que era ser veterinária.
Quando acabaste o curso, quanto tempo estiveste a enviar CV’s em Portugal?
Assim que acabei o curso, em Julho de 2011, comecei a entregar o meu currículo imediatamente. Sabia que o mercado de trabalho estava bastante complicado, por isso não quis perder tempo. Entreguei currículos durante cerca de 9 meses, na área e não só.
Após esses meses, lancei-me na minha primeira experiência fora do país em Maio de 2012, durante 4 meses. No final do contrato voltei a Portugal e retomei a procura de emprego durante mais 3 meses. O resultado foi o mesmo, saí de Portugal em Janeiro de 2013, com o objetivo de me fixar por uns anos.
Como é que tomaste a decisão de emigrar? E como reagiu a tua família a essa tua decisão?
A decisão de emigrar surgiu fruto do desânimo de não conseguir emprego na área à qual me dediquei durante quatro anos. Foram meses de entrega de currículos, até de rejeição de alguns e de não obtenção de respostas. Foi um período um pouco difícil por sentir-me uma inútil na sociedade. Juntar a isto a experiência de alguns colegas que emigraram, às ofertas tentadoras no estrangeiro, emigrar acabou por se tornar uma solução, na qual acabei por arriscar.
A reação da família não foi das melhores, sendo eu a filha mais nova. Foi difícil para todos, particularmente para a minha mãe, que esteve numa espécie de negação até à minha partida na primeira vez, e que sofreu ainda mais na segunda vez.
Quanto ao marido, na altura ainda namorado, sempre me apoiou, apesar de saber o quanto ele sofreu com isso. Quando emigrei pela segunda vez, foi já com a ideia de ele se vir a juntar a mim um dia, o que acabou de facto por se concretizar.
Sentiste muitas dificuldades de integração em França?
Sendo o país onde nasci, e tendo facilidade na língua, não foi tão difícil comparando por exemplo com o meu marido, que teve de aprender a língua e adaptar-se a uma realidade diferente. Aqui somos confrontados com imensas culturas, e para quem não está habituado pode fazer alguma confusão inicialmente. Pessoalmente, nunca me fez confusão, por já conhecer esta realidade desde muito nova.
Não posso dizer que a integração foi realmente difícil, porque todos os problemas que foram surgindo no caminho foram ultrapassados, e muitas mais coisas foram conquistadas.
Trabalhas exatamente na área que querias?
Trabalho na área na qual me formei, e posso dizer que quis, pois foi resultado das minhas escolhas. Contudo, há fases em que me questiono se que quero fazer isto toda a minha vida.
Hoje sentes-te lá em casa? Ou voltar é sempre melhor?
Voltar é sempre melhor, sem dúvida. Portugal é um país tão bom, que quando o vemos de fora, só se torna ainda melhor. Longe tentamos criar o nosso pedaço de lar, o qual é feito fundamentalmente das pessoas que a vida nos deu: os amigos. Graças a eles, conseguimos sentir-nos em casa.
Continuas a concorrer a vagas em Portugal ou desististe de voltar?
Assim que decidi emigrar de forma mais efetiva, deixei de concorrer às propostas em Portugal, pois não queria voltar no imediato, mas sim aproveitar para ganhar alguma experiência durante dois ou três anos. A verdade é que o tempo passa mais rápido que o que pensamos, e aqueles dois ou três anos já se transformaram em seis.
Atualmente sei que quero voltar, só ainda não sei exatamente quando. Tenho estado atenta à situação da minha profissão em Portugal, a qual ainda não é a melhor, e ponderando até de fazer outra coisa na vida, quem sabe.
Para quem esteja neste momento desempregado, achas que emigrar é a melhor opção?
Não digo que seja a melhor opção, visto que existem outra soluções. Mas porque não? Se não tiverem nada a perder, e tiverem a coragem necessária para arriscar, é uma experiência de vida, da qual não me arrependo.
É necessária muita burocracia para conseguir trabalhar fora de Portugal?
Penso que deve depender das áreas, e do país em si. No que toca a Enfermagem, tive de reunir vários documentos os quais tiveram de ser traduzidos, e já em França tive de me inscrever na Ordem dos Enfermeiros francesa e no registo ADELI.
Em todo este processo tive o acompanhamento das agências de recrutamento, através das quais consegui as propostas de emprego, o que sem dúvida ajudou imenso.
Também tu tens um blog, o Diário 89. Porque criaste o blog?
O blog é uma forma de registar as minhas memórias, e uma forma de escape quando sinto vontade de passar para a escrita aquilo que me vai na alma. Gosto de pensar que um dia irei sorrir a reler aquilo que escrevi.
O blog é também uma forma de manteres os teus mais próximos de ti?
Não foi feito com esse intuito, pois poucos próximos sabem da existência dele.
Por fim, obrigado pela tua disponibilidade. Há alguma coisa que queiras acrescentar?
Não tenham medo de arriscar, quando acharem que é o momento de mudar algo na vossa vida. Só nos arrependemos daquilo que não fazemos!
(Foto cedida por Jess)
♡
"Conheço" a Jess já há uns anos, ainda o seu blog não era o que atualmente escreve. Fui acompanhando as suas aventuras e, desde sempre, gostei dela como se fosse minha amiga.
Admiro muito quem tem que sair do seu país para fazer aquilo que gosta. Tenho um respeito enorme por estas pessoas que, para se sentirem realizadas profissionalmente, têm de abdicar de estar com as suas famílias. Têm de abdicar de estar presentes em todos os momentos e em todas as datas festivas.
Emigrar é uma escolha, é verdade. Mas também só o é, muitas vezes, porque não temos outra escolha. E não pensem que se emigra a pensar que lá fora se ganha muito mais dinheiro. Porque, tenho a certeza, mais de 90% dos emigrantes deste país voltariam se aqui tivessem emprego na sua área. Porque o nosso país, é sempre a nossa casa.
A Jess é só uma representação da realidade dos jovens licenciados dos últimos anos...mas é também um exemplo de força e coragem. É um exemplo de alguém que, por muito longe que esteja, tem sempre o seu coração em Portugal. O exemplo de que damos muito mais valor às coisas quando não as temos sempre ao nosso alcance! Mas que também podemos ser felizes lá...porque sabemos que, mesmo a muitos Km's de distância, os nossos estarão sempre de braços abertos à nossa espera!